quarta-feira, 13 de março de 2013

Juninho, o ex-jogador e o dirigente

Para Juninho - ou Juninho Paulista, como acabou conhecido - não houve fase de transição entre uma carreira e outra; entre ser jogador de futebol de sucesso – com passagem por cinco países; campeão da Copa do Mundo da FIFA 2002 - e ser dirigente. Enquanto ainda vivia seus últimos meses como jogador, já era o gestor do Ituano, clube paulista que o revelou.
Agora, aos 40 anos, quando começa a colher os frutos mais concretos e a entender os meandros de sua função, Oswaldo Giroldo Júnior enxerga tudo com um olhar mais aprofundado: da administração de um clube ao trabalho de Luiz Felipe Scolari na Seleção; dos vícios das categorias de base à evolução do futebol inglês. Por isso é que o papo exclusivo com o FIFA.com foi tão longo e proveitoso:

Como você decidiu que queria fazer isso: gerir todo o futebol de um clube?

Ao terminar minha carreira de jogador, eu sabia que queria continuar próximo ao futebol, mas a ideia de ser treinador ou dirigente de uma grande equipe me obrigaria a continuar convivendo com uma rotina de viagens constantes, algo que não estava disposto a fazer. Veio, então, a ideia de procurar trabalhar num clube menor, onde eu pudesse implantar as coisas do meu jeito. Foi então que o Major Vieira – que era o presidente do Ituano na minha época de jogador – me propôs essa parceria.

E, até aqui, quais têm sido os resultados?Bom, eu encontrei o clube essencialmente na mesma situação de 20 anos atrás, quando eu jogava: sem campos propícios de treinamento e sem um projeto muito claro. Hoje, nossa situação é bem mais adequada. Temos três campos de treinamento e uma estrutura do Novelli Jr. que já foi visitada por diversas equipes como possível centro de treinamento na Copa – e todas parecem ter gostado. Além disso, temos uma visão mais clara das categorias de base... Isso, aliás, é só o que pode segurar os clubes do interior, porque o investimento é menor e pode resultar em retorno. E, quando eu comecei, as categorias de base estavam desativadas. Agora temos todas: sub-11, 13, 15, 17 e 20. As coisas estão começando a acontecer agora em termos de parcerias, de projetos. Isso tudo demora para ir em frente – algo que só fui descobrir na prática.

E em quais aspectos você percebe que o fato de ter sido jogador mais faz diferença?O principal é que sei do que o jogador precisa. Isso tenho muito claro: o jogador nunca deve estar na posição de exigir nada de você; você é que deve dar as condições e poder exigir performance. E outra coisa foi profissionalizar a gestão. Eu passei a carreira defendendo grandes clubes – em termos de torcida, estrutura -, então procurei adaptar isso à realidade de um clube menor. A ideia é fazer do Ituano um clube sólido, que participe do Paulista pensando em se classificar e dispute regularmente a série B do Brasileirão.

E, para isso, o fato de ter tido uma passagem tão marcante por um clube europeu de menor expressão como o Middlesbrough teve algum impacto?Se pensarmos na estrutura, não, porque nem se compara: a do Middlesbrough só pode ser comparada à de equipes grandes do Brasil – e nem de todas. Mas sim para ver como, mesmo não sendo um gigante, um clube pode ser gerido com profissionalismo, pode ter um esquema de divulgação, de tratamento ao torcedor, etc.
Até o ponto em que o seu trânsito nos dois clubes resultou numa parceria entre o Ituano e o Middlesbrough, certo?Pois é. É um namoro que vinha existindo já há algum tempo, na medida em que fomos estruturando as nossas categorias de base e elas começaram realmente a se tornar um bom produto. O Middlesbrough não tinha representante no Brasil e gostou do projeto que apresentei – até porque também para eles não está fácil simplesmente comprar um jogador já formado. É uma parceria que não envolve custos fixos: eles só desembolsam caso se interessem por algum jogador nosso. E também o inverso: eles podem mandar garotos da Inglaterra para um estágio no Brasil.

Hoje, onde o Juninho é mais ídolo: em Itu ou em Middlesbrough?(risos) Olha, acho que lá na Inglaterra. Aqui a responsabilidade e a cobrança também acabam sendo grandes, até porque era uma situação meio atípica quando eu era dirigente e ainda jogador simultaneamente. É algo que eu só me lembro de ter visto com o Bryan Robson, no próprio Middlesbrough, e depois com o Rivaldo, no Mogi Mirim. Os clubes menores têm esse outro tipo de pressão, que vem da proximidade que o torcedor sente com a instituição.
Eu só acabei indo mesmo para o futebol inglês porque o Bryan Robson tinha essa mentalidade de buscar um jogo mais técnico
sobre a ida para Inglaterra ainda na era dos chutões
Essa proximidade também faz com que as conquistas, mesmo que teoricamente menos expressivas, ganhem um sabor especial, não?Nossa, sem nenhuma dúvida. Participei de conquistas como a Copa do Mundo e a Libertadores, mas duas das grandes emoções da minha vida foram em situações dessas – até porque em ambas tinha um papel de protagonista. Uma foi termos conseguido manter o Ituano na primeira divisão do Campeonato Paulista, em 2010. Perdíamos por 2 a 0 para a Portuguesa, no Canindé, e fomos buscar a virada; eu marquei um dos gols. Foi uma situação emocionante demais, porque já havia assumido a gestão do clube, e cair para a segunda divisão seria iniciar o projeto já com um fracasso. E, claro, teve a Copa da Liga Inglesa de 2004 com o Middlesbrough, que foi o primeiro grande título do clube e em que também participei diretamente, com gol na semifinal contra o Arsenal.

Você foi à Inglaterra em 1995 e retornou quase dez anos depois, quando a Premier League já ganhava outro status. Tecnicamente, você percebeu essa mudança?Percebi e muito. Eu só acabei indo mesmo para o futebol inglês porque o Bryan Robson tinha essa mentalidade de buscar um jogo mais técnico. Quando estava em negociação, eles me mandaram uma fita de jogos do Middlesbrough. Eu assisti e só pensei: “Meu Deus! Como é que eu vou jogar aqui?” Era só chutão de um lado para o outro. Então, o Robson me disse: “pois é, você viu a fita? Por isso mesmo que eu quero trazer você; para mudar isso.” Eles queriam jogadores mais técnicos, queriam a bola no chão. Porque, de fato, quando cheguei lá tinha um ou outro com uma qualidade técnica que não emplacava nem categoria de base do São Paulo. (risos) Era tudo na base do vigor e da disciplina, mas aos poucos esses jogadores foram perdendo espaço. Até que, quando voltei, em 2004, encontrei uma liga bem diferente, sobretudo no que diz respeito aos clubes de ponta.

É curioso que, num futebol que é historicamente difícil para os brasileiros por ser tão físico, quem mais teve sucesso foi você: baixinho e franzino. Até que ponto isso dificultou sua vida?Eu tenho o físico franzino, mas dentro do campo eu tinha uma característica que se encaixava bem com o futebol da Inglaterra: eu sabia encontrar espaços para usar minha velocidade. Tive problemas mesmo foi no início, para chegar a me tornar profissional, porque ninguém acreditava que eu conseguiria. Mas ser baixo ou magro não significa ser ter a musculatura fraca. Basta ver gente como Messi, Xavi, ou Iniesta, que dificilmente se lesionam.
Eu diria que, nos meus êxitos, uns 60% posso atribuir à parte técnica e uns 40% a essa característica de acreditar, de não ter medo, de saber lidar com a pressão
sobre o destemor, apesar de seu 1,67m


Falando neles, como você vê o sucesso de uma equipe como o Barcelona, composta em boa parte por gente com menos de 1,70m? É sinal de uma mudança mais ampla, ou um caso isolado?O que acho que está havendo é uma evolução na maneira de se enxergar o futebol na Europa e uma regressão no Brasil. Aqui, desde as categorias de base, só se pensa nos resultados. E, de fato, os times mais fortes fisicamente tendem a levar vantagem nas categorias sub-15, sub-17. Mas, sem qualidade, a evolução para por ali. Enquanto isso, hoje, não só na Espanha se tem jogado à base da técnica, mas também, por exemplo, na Alemanha – que sempre foi um exemplo desse lado físico. Senão, de que adianta você formar um lateral que vai e volta, mas que não sabe cruzar? Um zagueiro enorme, mas que não tem jogo de cintura para escapar de dribles? Um volante marcador que não acerta um passe? Lembra aquela posição do “um” que eu ocupava no esquema 4-3-1-2, conectando o meio e o ataque? Ela não existe mais. Eu entendo que a evolução física muda o jeito de jogar, claro, mas não pode chegar ao ponto de se deixar de lado os fundamentos e a técnica, como acho que tem acontecido na base do Brasil.

Mas, para encontrar espaço num time como o São Paulo de 1993 ou a Seleção, além da técnica, no seu caso, houve muito de mentalidade, não? Eu diria que, nos meus êxitos, uns 60% posso atribuir à parte técnica e uns 40% a essa característica de acreditar, de não ter medo, de saber lidar com a pressão. E vou te falar: hoje, de fora do campo, percebo que isso é uma coisa que você tem ou não tem. Não dá para ensinar. Reparo na meninada da base, como tem gente até com mais qualidade que os outros, mas que não tem a personalidade; não repete no jogo o desempenho do treino. Isso me ajudou a carreira toda.

E, nessa carreira, você ficou de fora daquela que provavelmente seria a Copa do Mundo da FIFA que te encontraria em seu melhor momento, em 1998. Depois de tanto tempo, que tipo de lembrança aquilo traz?Aquilo passou totalmente, sobretudo porque depois veio o presente dos céus e consegui ir à Copa seguinte e ainda sair campeão. Demorei para me conformar foi com todas as histórias de bastidores: quem não quis me levar, como, por quê... Mas, com o tempo, percebi que as pessoas só estavam pensando no que era melhor para o Brasil. Minha experiência como dirigente me ajudou muito a entender isso. Agora que estou do outro lado me vi tomando atitudes que alguns jogadores levaram pelo lado pessoal - como eu levei naquela ocasião -, mas que só tinham a ver com o que era melhor para o clube. Esse aprendizado sobre meu próprio passado foi muito interessante.

Sobre essa maneira de lidar com o grupo: você trabalhou com dois técnicos muito respeitados por fazer isso, mas de modos diversos -Telê Santana e Luiz Felipe Scolari. Que diferenças havia entre eles?
Bom, o Telê tinha uma visão espetacular. Sabia exatamente o que você tinha de melhor e trabalhava muito especificamente em cima disso. A capacidade dele de explorar o trabalho individual com cada jogador era incrível. O que os dois têm em comum, de fato, é o comando do grupo. Naquela Copa de 2002, o Felipão conseguiu passar a nós – jogadores e comissão – que todos éramos igualmente importantes. Do Ronaldo ao terceiro goleiro, ele tratava todos exatamente da mesma forma. O grupo ficou unido por isso. O Felipão sabe muito trabalhar a confiança. Lembro direitinho: pouco depois que ele assumiu, em 2001, o Rivaldo vivia um momento complicado, andava sendo cobrado. Faltavam dez jogos até a Copa, e o Felipão chegou para o Rivaldo e disse: “você vai jogar todos os dez”. Pronto. Recuperou a confiança dele, que jogou, foi à Copa e resolveu para o Brasil. Esse feeling dele é demais.
E você acha que o Felipão será capaz de colocar esse lado em prática com a equipe da Copa de 2014?É difícil, porque a Seleção passa por uma reformulação. Aquela geração que já foi vencedora acabou, e não se sabe como os novos talentos vão suportar a pressão. O time estava começando a ganhar uma cara já com o Mano Menezes – o que demorou um pouco para acontecer –, mas ainda não sabemos como essa equipe quase toda reage a uma situação como a de uma Copa. É outro tipo de desafio para o Felipão.

Fonte: Fifa.com

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